quinta-feira, 9 de julho de 2015

I CORINTIOS 10:13 ENSINA O LIVRE-ARBÍTRIO LIBERTÁRIO?

"Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar."
"É a segunda vez que ouço alguém dizendo que esse texto ensina o livre-arbítrio libertário. Vejamos algumas coisas sobre o texto supracitado:
1. Em primeiro lugar, devemos ter em mente o que o contexto trata. Paulo está falando sobre o modo como os coríntios deveriam viver a sua vida cristã. Não deveriam viver suas vidas de maneira negligente, lapsos morais e pecaminosidade. Apesar dos crentes coríntios terem recebido muitos benefícios de Deus, é provável que eles fossem relapsos com a vida cristã. Porém, isto não seria nenhuma novidade, pois os judeus procederam da mesma maneira no AT. (1 Co 10. 1-6; Nm 14.29, 37; 26.65 ).
2. Paulo usa o que aconteceu no julgamento divino do AT para advertir os coríntios (vv.6-13). Estes acontecimentos da Antiga Aliança serviram como exemplos (v.6, gr. “τύποι”) para os crentes. São ‘exemplos’ e ‘advertências’ para os crentes (v. 11; gr. τυπικῶς, νουθεσίαν). O propósito é esse, servir de exemplo e advertência para que NÃO FAÇAMOS a mesma coisa.
3. O texto não entra no mérito sobre a capacidade de podermos cair ou não. Poderemos perseverar até o fim, ou podemos cair como eles fizeram? Poderemos usar o livre-arbítrio para não utilizarmos o escape de saída da tentação (v13), e, assim, apostatarmos de vez? Essa passagem defende vigorosamente a perseverança dos santos? Resposta: o texto não se interessa em responder nenhuma dessas categorias sistemáticas de pensamento teológico. Apenas diz que o que o julgamento divino com os judeus imorais e idólatras ocorreu para que NÃO FAÇAMOS A MESMA COISA (v.6).
4. Observe o motivo da advertência. Ela tem o propósito de advertir para que não caiamos no pecado. Se podemos cair ou não, esse não é o ponto do autor da advertência, embora a pessoa que estabelece a advertência o faça exatamente para utilizarmos disto para o nosso bem. Por exemplo: se uma pessoa coloca uma placa numa estrada arriscada (à beira de um precipício), ele está fazendo aquilo imaginando naqueles que se jogarão ali de forma suicida? É por esse motivo? Não. Porém, o propósito daquela placa é para sinalizar o perigo. Portanto, ela é colocada naquele lugar para que a pessoa ao passar pelo caminho NÃO TRANSGRIDA A ADVERTÊNCIA. Não podemos confundir o propósito da advertência com especulações sobre a possibilidade ou não da queda, embora possamos entender que somente os crentes se utilizarão dessas advertências como meios para perseverar até o final da caminha cristã. Quando a linguagem do texto é confundida com realidade/metafísica e/ou especulações filosóficas vemos aí a introdução de categorias e sistemas dentro texto examinado. Porém não é assim que fazemos hermenêutica e exegese. Há advertência para que algo impossível não aconteça? Impossível para quem, crente ou descrente? Repito: esse não é propósito de uma advertência existir, mas apenas para sabermos que ela precisa ser obedecida.
5. Paulo prossegue na sua argumentação e advertência, incluindo o texto de 1 Co 10.13. Observamos o uso da expressão ‘tentação’ no v. 13 (gr. πειρασμὸς). Essa expressão é utilizada no NT, cerca de 21 vezes; pode significar “teste, provação divina, tentação, caminho de tentação” (Gingrich, Lexicon). O que dirá o significado da palavra será o contexto mediato e imediato do uso (e.g. Mt 6.13; Tg 1.14-15 a palavra é usada como ‘tentação’, mas em Tg. 1.12 é “provação divina”).
6. O v.13 afirma que não apenas o ‘livramento’ (essa é uma boa tradução para “ἔκβασιν”) é dado por Deus, mas a ‘tentação’ também acompanha (“junto a tentação dará o livramento”). Em Tiago 1.14-15, observamos que “Deus mesmo a ninguém tenta”, mas Paulo diz que o livramento ‘junto com’ [σὺν] a tentação são dados por Deus (1 Co 10.13). Como pode ser isto? Temos aqui uma boa razão do significado de πειρασμὸς: uma “provação” divina. Ademais, um detalhe importante é que as expressões “ἔκβασιν” e "πειρασμῷ" são articuladas (gr. 'τῷ πειρασμῷ καὶ τὴν ἔκβασιν'), ou seja, esse artigo indica que para cada provação existe um escape/livramento para que possamos suportar. Por outro lado, sabemos que se entendermos a palavra 'πειρασμὸς' como uma 'tentação' , então nem sempre saímos vencedores de cada uma delas (a Bíblia e experiência demostram essa verdade na vida dos crentes que sempre caem em tentação). Assim, a estrutura do texto também indica as provações e livramentos como dádivas divinas ensinados por Paulo aqui. Provações essas que não nos levam a pecar contra o Senhor, mas são acompanhadas de apoio divino em todo aquele momento.
7. A relação entre a tentação e a provação nem sempre é tão clara para nós. Mas podemos entender, pelo menos, que uma é produzida por Deus enquanto a outra não. Em nosso texto, sabemos que essa provação é sempre vencida, pois ela é dada por Deus para provar o crente, não para o fazer pecar (o que constituiria uma tentação do diabo).
Há vitória nas provações, pois: 1) Elas são dadas por Deus, e são motivos de alegria [...] sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança (Tg 1.2,3); 2) Além das provas Deus ainda concede um ‘limite’ (ἔκβασιν”) para perseverar nesse momento (Keener, p.59); 3) Há meios e advertências para o crente (v.6,11,14ss).
4) A expressão "Deus é fiel" (v.13.b) indica algo que dá certeza dessa vitória, o agudo contraste, e correção de uma ideia errônea, é trazido pela adversativa "mas" (gr. ἀλλὰ), apontando para o fracasso do homem em relação a fidelidade divina (v.13c). Pensemos um pouco, se fosse possível um crente não vencer a provação (um dos pontos que distingue a tentação da provação: a indução ao pecado), não existiria a necessidade para essa palavra de consolo, uma vez que correríamos o risco de ser reprovados completamente.
Concluindo, o texto não está tratando sobre livre-arbítrio libertário, mas sobre o modo de suportar as provações (que podem ocasionar em tentações posteriores). Assim, é impróprio confundir ou identificar, diretamente, a linguagem (e.g. advertência, exemplos para não cairmos etc.) com metafísica (e.g. decreto incondicional ou em presciência? É possível a apostasia acontecer quando sucumbimos?). A advertência é colocada para que o pecado não seja cometido pelo crente. Mas, a pergunta que não quer calar, “podemos cair”? Esse não é o ponto de Paulo aqui. Basta-nos saber que ao passarmos por fortes provas dadas por Deus, ele mesmo, que concedeu tais provas nos dará, também, o limite destas.
Pretendi trazer um texto curto e simples aqui, mas desenvolvimentos posteriores podem exigir um caráter mais técnico na explanação desse posicionamento. É possível que eu mude o que penso sobre esse texto? Claro que sim! Mas este é o meu entendimento atualmente, ainda mais depois de estudá-lo mais. 

Que Deus nos conceda graça!"

Autor: Evandro Junior - via Facebook.

Um comentário:

  1. Meu Deus, quanto analfabetismo. Difícil ler sem rir.

    Libertas vera est, Christo servire...

    Agostinho Anti-alienação

    ResponderExcluir