quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A um apologista TJ - sr. Pedro Calvache

Certa pessoa me disse a respeito de uma Testemunha de Jeová que disponibilizou alguns vídeos a respeito da Trindade, também debates com evangélicos, e defendendo a TNM. Ele me mandou o link e eu passei a assistir. A Testemunha de Jeová o sr. Pedro Calvache, da cidade de Sorocaba. Destaco aqui que essa postagem não visa agredir, ofender, ou humilhar. Tudo indica ser um homem digno, cidadão honesto, e religioso fiel, qualidades que está ausente hoje na sociedade. Meu objetivo é questionar sua teologia e apologética.

Apesar de demonstrar ser mais versátil que as Testemunhas medianas, e adquirir publicações que não são apenas da Torre de Vigia, ele demonstra os mesmos vícios dos autores autorizados da liderança TJ, e a maneira acusatória comum.  Apresento aqui algumas observações que pude constatar de seus vídeos, logo em seguida escrevo a ele uma ‘carta’:

1. Experiências com crentes: esse senhor cita exemplos de confrontos com crentes, que não foram lá tão exemplares, quer no trato, quer na argumentação, em que ele toma como exemplo geral. Infelizmente, um fato deprimente é saber que crentes não estão dispostos a estudarem a Bíblia, quanto deveriam e o quanto a teologia cristã oferece. No entanto, o s Pedro Calvache, também não gostaria de ser avaliado por Testemunhas de Jeová medianas. Creio que quando ele menciona casos de conversas que teve com crentes, e daí julga todos em um bojo só, é uma forma reducionista de tratar tudo e todos, em um mesmo nível e comportamento.

2. Testemunhas de Jeová e o resto do mundo: outro argumento evidentemente fraco, é o dividir o mundo em duas partes. Por um lado, as Testemunhas de Jeová, por outro, todo o resto. Esse também é uma avaliação medíocre das diferenças, mesmo em linhas gerais. O que dizer se realmente tratarmos a questão em suas bases? Com isso, o sr. Pedro Calvache fala com uma miopia digna de uma pessoa sabatinada, e quando faz isso, o faz para produzir na mente de seus ‘espectadores’, um problema – uma escolha, ou seguir a Torre de Vigia, ou tanto faz ser o que for. ‘Todo mundo é assim, menos nós, as Testemunhas de Jeová’ – é o raciocínio dele. Algo que ele explora muito nesse aspecto, é a doutrina da Trindade. O que ele não menciona é que várias denominações religiosas que também, não creem na trindade. Há, até, outras crenças diferentes a respeito. Mas o propósito dele não é dar informações, mas selecioná-las para produzir uma impressão, que de alguma forma favoreça as Testemunhas, por separá-las dos demais grupos religiosos, e desqualifique assim o resto. Algo muito próprio de seitas exclusivistas.

3. Tradução do Novo Mundo: ele também em algumas exposições defende a TNM com base em afirmações selecionadas, de assuntos que ele afirma tão categoricamente, sem um mínimo de tratamento sério. Por exemplo, quando fala do nome de Deus Jeová. E lê alguma tradução que usa Jeová no NT, parece que para ele está resolvido. Não haveria uma credibilidade mais pífia do que essa, com todo respeito ao sr Pedro. Ele busca citações recortadas, apenas para esse fim e propósito – alguns vestígio que seja igual a TNM e portanto, ele tem que estar certar no caso em mira. Triste, é saber que muitas vezes, os autores dessas citações, estão em desacordo com eles em outros pontos, e ele simplesmente passa por alto. Fora a questão desequilibrada, ao dizer que os trinitarianos fazem isso ou aquilo nas traduções, ao passo que apenas o que é feito na TNM, é feito sem nenhum pressuposto doutrinário, mas apenas baseado em evidencias linguísticas e da manuscritologia. No caso da TNM, é sabido por todos, que ela tem sérios problemas mesmo nessas áreas.

4. Pagando com o paganismo: por fim, ao falar de trindade, inferno, imortalidade da alma, ele martela enfaticamente que se trata de doutrinas pagãs, e cita autores que criticam essas doutrinas, como criticariam qualquer outra crença cristã, acusando de pagã. Interessante que Calvache, chega a dizer que qualquer pessoa “com o mínimo de conhecimento” sabe disso. Bem, embora desqualifique assim os que creem na trindade, na verdade ele demonstra que sabe é pouco mesmo a respeito desses assuntos. Ele até mesmo em um vídeo usou uma expressão errônea de um certo curso teológico, e disse que na verdade nós adoramos “três deuses” e que quando falamos que cremos em UM DEUS, é tudo uma conversa para ofuscar o obvio.
De fato, o sr Pedro Calvache não é tudo o que pensa ser. E como sou trinitariano, crença essa enxovalhada pelo sr, me sinto no direito de apresentar algumas objeções também.
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Vou escrever uma carta a ele de agora em diante, e quem sabe, ele que se diz um pesquisador, possa assim ler. Muito que vou escrever aqui, ele saberá, mas nem todos os leitores do blog. Recomendo ler com atenção e se possível pesquisar a respeito do assunto:

Prezado senhor Pedro Calvache, espero que ao ler essa breve mensagem, você e os seus, estejam bem, sob a graça de Deus.

Em primeiro lugar, creio que você acredita mesmo que a Torre de Vigia contém o Escravo Fiel e Discreto, que Jesus Miguel teria escolhido em 1919. Aliás, até mesmo a identidade desse Escravo já passou por mudanças que não sei como o sr lida com isso. Ele já foi Russel, já foi a diretoria da Torre, depois foi todo o restante ungido, que tinha um porta voz que era o Corpo Governante, que na verdade tinha alguns mais poderosos, mas agora, é apenas o Corpo Governante. Tudo bem, essas mudanças são assim mesmo, cheias de nuanças e justificativas. Assim como a geração que veria o fim.

Primeiro seria os conscientes que vivam em 1914, depois as crianças, depois os que nasceram, nessa época, o sr pregou isso de casa em casa e disse que isso era promessa de Jesus? Daí em 1995 seria apenas a classe ímpia que viu o sinal composto. Tudo bem, que agora a geração dos ungidos é a que viu o sinal, anos após a primeira geração...

Convenhamos, a Liderança TJ insistia que os ungidos veriam o fim do mundo, e reter a data do fim da chamada celestial em 1935 seria complicado demais, não é mesmo? Ok, quanto a isso, se o sr está feliz com isso... Já que essa data também recentemente foi abandonada...

A história doutrinária das Testemunhas acumula muitas mudanças. Geralmente tais mudanças se dão quando algum “potentado” da Torre morre. Foi assim quando Russel morreu, quando Rutherford morreu, quando Franz morreu. Mas de fato, se o Sr acredita que o Corpo Governante é o servo composto que daria alimento no tempo do fim, é uma decisão sua. Sei que para o Sr nem mesmo uma tonelada de mudanças proféticas e datas erroneamente calculadas, para eventos proféticos, com suas mudanças, causaria alguma duvida de que eles foram escolhidos por Jesus, que reina desde 1914 – se bem que ele voltaria segundo Russel, mas....Aliás, eu acho que o sr até duvida, mas é proibido de duvidar, não é mesmo? Ah, o sr seria sumariamente expulso por causa disso...

Tudo bem que datas, não foram muitas para te abalar, mas um bom número para isso...como 1874, 1878, 1881, 1914, 1915, 1918, 1920,1925, 1941, 1975, geração de 1914 e geração dos ungidos, ou mesmo dentro do século XX, abalaria sua fé na Liderança TJ = Corpo Governante...eu te admiro pela crença. De fato, isso é mesmo uma crença poderosa. Deve ter algum poder místico por detrás disso.

Não sei se ainda o Sr pode crer na data da ressurreição celestial em 1918, mas parece que essa data não ganhou mais notoriedade nas últimas duas décadas, mas se ela ainda está em vigor, é ótimo lembrar então que todos os ungidos do Escravo Fiel que morreram desde então, estão no reino celestial (do ensino da Torre) vendo tudo isso ocorrer, e como você deve crer, que eles estão orientando a Organização da Torre de Vigia. Sei lá se há alguma comunicação espírita entre esses ‘ressuscitados’ e o atual Corpo Governante...Deve ser por isso, que o Sr acredita mesmo neles...

Fico também pensando, como o Sr se sente em saber que o nome Jeová é uma produção posterior ao período bíblico, uma salada de letras, que hoje está mais que provado, que não é o nome divino... Afinal essa tradição de usar o nome Jeová, foi iniciada por católicos dominicanos e seguida pelos protestantes, e que mal há em seguir a tradição nesse caso, não é mesmo SrCalvache? Oh não, isso pode ser de Babilônia, mas foi purificado por Rutherford... interessante que o sr gosta muito do assunto Comma Joanino... não tem base nos MSS do NT... sim, nem nos mais antigos e nem na maioria, porém, quanto ao uso do nome hibrido Jeová no NT, sem nenhuma base nos milhares de MSS do NT... Ah, mas o Sr é um pesquisador sério, deve tirar isso de letra não é mesmo?

Quanto a Deus, fico admirado em ver como o Sr lê a Bíblia e ainda acredita no Corpo Governante que diz que o Deus Jeová, não é onipresente, nem ativamente onisciente! Esse de fato é um deus diferente do meu... o Salmo 139 acho que não se encaixa muito nesse ‘novo deus’ Sociano. Algo que me chama a atenção é que esse tipo de deus da Torre de Vigia, é poderoso para ter uma força ativa impessoal - que sente e age como pessoa, que vocês dizem ser o Espírito Santo, estando essa força em todo lugar, mas ele mesmo, Jeová, não é capaz de estar?! Deve ser muito empolgante crer em um mistério desse... tudo bem, que mistério é usado por você de forma negativa quando falamos da Trindade. Sei que a eternidade pode ser incompreensiva, como diz o Corpo Governante, mas a Trindade não pode ser? Pedro Calvache, entendo a seletividade.

Quanto a Jesus Cristo, esse também é um Jesus especialmente redefinido pela Torre de Vigia. Era Miguel, um anjo criado, que era adorado pelos anjos, mas era uma ‘adoração relativa’. Melhor foi mesmo dizer que adoração no caso dele deveria ser “prestar homenagem”, ainda bem que a edição posterior da TNM não colocou adorar... assim fica mais em harmonia com o ensino da Torre. Esse anjo, que se tornou homem, depois ressuscitou em outro corpo. Isso sempre é meio estranho... ressuscitou o que então? Morreu o quê? Em outro corpo espiritual, mas se materializou para convencer seus discípulos que ressuscitou dos mortos, mas seu corpo não se levantou? Tudo bem que Jesus negou que seria assim...mas se o Corpo Governante disse, dito está!!! Se não, como Jesus voltaria invisivelmente em 1914? Claro, está explicado...a única coisa que nunca será explicada será a data de partida para o calculo de 1914... destruição de Jerusalém em 607, e crença em Papai Noel, sr Calvache, é coisa fantasiosa... Imagino o esforço que o sr faz, ‘qual pesquisador da história’, encontrar alguma evidencia em favor de 607 como ano da queda de Jerusalém...

Seguimos com a contagem e doutrina dos 144 mil. Coisa estranha essa, para provar que os 144 mil são literais vocês fazem o contraste entre a grande multidão que ninguém podia contar, ao mesmo tempo que o contraste da nação não serve? Se a nacionalidade é espiritual, por qual motivo a numeração não seria? E vice versa... quanto a contagem, o coisa mais esdruxula não é mesmo? Hoje os ungidos superam o número de décadas e décadas atrás. Daqui a pouco terá 144 milhões pois não vai sobrar espaço para o cristãos da era apostólica... Dividir a esperança dos crentes salvos é algo que devo dizer – só mesmo na cabeça de J. F. Rutheford... se ele errou no caso “Casa dos Príncipes”, “Milhões que agora Vivem Jamais morrerão”, etc, corre-se sério perigo em tantos outros assuntos... e especialmente nesse assunto tão palpitante – a esperança terrestre! Claro, que se o sr lesse a Bíblia um pouco mais, perceberia que essa forma de fracionar a salvação eterna, é algo totalmente sem base na Palavra do Deus da Verdade.

Sim sr Pedro, o que dizer das doutrinas medicinais que a “Organização da verdade” já emitiu no decorrer dos anos... vacinas, transplantes de órgãos, frações de sangue, transfusões de sangue, doutrinas que eram “puro lixo”. O que dizer do serviço militar alternativo? Se não me engano em 1996 houve essa mudança... o livro Unidos na Adoração, depois quando foi revisado em Adore o Único Deus, tirou até mesmo a menção do serviço alternativo como causa de mortes/perseguições contra as “fieis testemunhas”... essas coisas realmente não são tão fáceis de se resolver... por isso é mesmo bom não mencioná-las em seus vídeos não é mesmo sr Pedro?

Vai lá falar do caso da ONU, México, Carta a Hitler, que as explicações só causam mais frenesi e confusões... se bem que essa questão de fazer o que querem, é coisa da autoridade do Escravo. O que dizer das citações que fazem de outros autores? Por que será que o livro Raciocínios tem duas edições? Por que também a Interlinear do Reino teve duas também? O que dizer da brochura Deve-se crer na Trindade... de fato, o Escravo faz as citações de outros fora do contexto, e quando é confrontada não dá satisfações para vocês, e muda a edição... coisa de Escravo FIEL e DISCRETO... ops, agora é Prudente? Novamente...

Não sr Pedro Calvache, a doutrina do inferno não é o espantalho da cristandade, nem pagã, é um ensino claro de Jesus e de seus apóstolos. Usar a doutrina de forma errada não a invalida, assim como o Corpo Governante várias vezes errou em relação a data do Armagedom, não acho que o sr acha que a doutrina do Armagedom é invalidade pelos erros deles... não é mesmo? Ou o Armagedom também serve de ameaça? E que com uma data em mãos, essa ameaça também se torna algo perigoso, ou não? Se bem que eles, os membros do Corpo Governante podem errar e continuar sendo Escravo... se o sr errar, e ensinar outra postura, a coisa pega, não é mesmo? Voltando ao assunto do inferno, perceba que a Bíblia usa uma linguagem que mais incomoda do que ajuda a sua doutrina? Imagina – a Bíblia usa o termo “tormento eterno”, ela mesma faz esse uso, por mais duro que seja, mas Jesus avisou. Deus continua sendo amoroso em dizer isso, e em fazer o inferno.

Talvez, caro seguidor da Torre de Vigia, infelizmente a verdade não te atrai, a advertência de arrependimento e crença no Filho de Deus, para te tornar filho de Deus, também não te move a sair da Torre, o que resta-nos é apenas lembrar que a doutrina do tormento eterno é bíblica. Jesus Cristo algumas vezes lembrou aos seus ouvintes, especialmente quando estavam mais endurecidos pelo pecado. Acho ser conveniente fazer isso ao sr nesse momento. Deixe de ter a fé na Torre de Vigia, que para você é mediador entre você e Deus, e descanse na Graça salvadora do Cristo crucificado e ressurreto (Jo 14.6).

Ass. Luciano



sábado, 27 de agosto de 2016

A Mariolatria Católica

O que você acha desse tipo de devoção a Maria?

967 Por sua adesão total à vontade do Pai, à obra redentora de seu Filho, a cada moção do Espírito Santo, a Virgem Maria é para a Igreja o modelo da fé e da caridade. Com isso, ela é "membro super eminente e absolutamente único da Igreja", sendo até a "realização exemplar (typus)" da Igreja.(Parágrafos relacionados 2679,507).

968 Mas seu papel em relação à Igreja e a toda a humanidade vai ainda mais longe. "De modo inteiramente singular, pela obediência, fé, esperança e ardente caridade, ela cooperou na obra do Salvador para a restauração da vida sobrenatural das almas. Por este motivo ela se tornou para nós mãe na ordem da graça." (Parágrafo relacionado 494).

969 "Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura ininterruptamente, a partir do consentimento que ela fielmente prestou na anunciação, que sob a cruz resolutamente manteve, até a perpétua consumação de todos os eleitos. Assunta aos céus, não abandonou este múnus salvífico, mas,por sua múltipla intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna. (...) Por isso, a bem-aventurada Virgem Maria é invocada na Igreja sob os títulos de advogada, auxiliadora. protetora,medianeira."* (Parágrafos relacionados 501,149,1370) (Catecismo da Igreja Católica Apostólica Romana).

*Podemos perguntar de forma simples aos católicos: Onde no Novo Testamento Maria é tratada assim?

O que é Idolatria para ICAR?

2113 A idolatria não diz respeito somente aos falsos cultos do paganismo. Ela é uma tentação constante da fé. Consiste em divinizar o que não é Deus. Existe idolatria quando o homem presta honra e veneração a uma criatura em lugar de Deus, quer se trate de deuses ou de demônios (por exemplo, o satanismo), do poder, do prazer, da raça, dos antepassados, do Estado, do dinheiro etc. "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro", diz Jesus (Mt 6,24). Numerosos mártires morreram por não adorar "a Besta", recusando-se até a simular seu culto. A idolatria nega o senhorio exclusivo de Deus; é, portanto, incompatível com a comunhão divina. 

2114 A vida humana unifica-se na adoração do Único. O mandamento de adorar o único Senhor simplifica o homem e o livra de uma dispersão infinita. A idolatria é uma perversão do sentimento religioso inato do homem. O idólatra é aquele que "refere a qualquer coisa que não seja Deus a sua indestrutível noção de Deus”. (Catecismo da ICAR).



segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Presbiterianismo e Pentecostalismo no Brasil – Tensões históricas e distensões recentes (parte 1)

Presbiterianismo e Pentecostalismo no Brasil – Tensões históricas e distensões recentes (parte 1)
Autor - Éber Ferreira Silveira Lima

Introdução

A relação entre presbiterianismo e pentecostalismo no Brasil, regra geral, tem sido rude. Tanto a igreja presbiteriana do Brasil quanto a Igreja Presbiteriana independente do Brasil (IPB e IPI respectivamente, as duas maiores confissões calvinistas do Pais enfrentam situações de dissidência que ocasionaram cismas importantes, especialmente na década de 70, em face de grupos pentecostalizados no seio dessas denominações.

As dificuldades do presbiterianismo com o pentecostalismo, no entanto, não se limitam a esses cismas. Pode-se dizer que, em termos de fé e ordem, executadas as questões políticas internas de desavenças com o catolicismo, as tensões com o pentecostalismo tem se constituído no principal problema do presbiterianismo brasileiro. Esse quadro possivelmente resultou do próprio modelo eclesiástico presbiteriano adotado no Brasil, baseado na figura do pastor que detém a primazia do ministério cristão. Ou ainda da forte herança racionalista que se concretiza no corpo doutrinário, mais valorizado do que experiência religiosa. Percebe-se, porém, na presente década, um movimento intenso, até de ordem institucional no sentido de acomodar tendência neopentecostais nas confissões presbiterianas brasileiras. Tal movimento responde ao avanço ao neo-pentecostalismo nas décadas 80 e 90, e procura atender consideráveis setores pertença protestante histórica insatisfeita com os modelos tradicionalmente adotados. O desgaste social das classes médias tem contribuído para lançar as mesmas nos braços de uma nova proposta de fé, onde o espaço eclesial se apresenta como um super mercado de bens religiosos. Por outro lado, as novas adesões ao protestantismo, já devidamente influenciadas pela mídia evangélica, tem exigências e expectativas religiosas que só podem satisfeitas pela teologia e pela prática pelo neo-pentecostalismo. Então a acomodação do neo-pentecostalismo por parte dos presbiterianos é uma atitude de sobrevivência no universo evangélico brasileiro, uma forma de atender o mesmo público ao qual historicamente está ligado.

Tem havido reações e resistências e tais distensões, especialmente por parte de setores com raízes mais profundas na história dessas denominações. Tais resistências, porém, não se encontram em condições de determinar a repulsão neopentecostal no presbiterianismo. Quando muito, tem diminuído a velocidade na absorção dos grupos carismáticos as suas praticas pelas comunidades presbiterianas locais. O presbiterianismo brasileiro está mudando institucional, doutrinária e liturgicamente, inspirado na versão recente do pentecostalismo que tanto combateu. Nosso trabalho procurará mapear, ainda que sinteticamente, a história dessas relações nas diferentes denominações presbiterianas brasileiras apontando para as transformações em curso.

I-                   O pentecostalismo como heresia: as escaramuças iniciais

A chegada do pentecostalismo ao Brasil, no ano de 19101, ocorreu num contexto de consolidação do protestantismo histórico. Eram tempos em que a pregação protestante embora ainda longe de concorrer com o catolicismo majoritário já trazia preocupações ao clero católico, mormente quando enveredava para o campo das polemicas religiosas. Diante dos desafios que enfrentava para crescer, o protestantismo se tornava cada mais combativo. Face à busca, por parte do catolicismo, de uma intelectualidade católica leiga que bem pudesse representar a Igreja de Roma nossos tempos2, o protestantismo brasileiro se refinava, querendo atingir o mesmo público.

Dificilmente, os primeiro pentecostais no Brasil buscaram uma outra população. Daniel Berg e Gunnar Vingren foram evangelizar as populações ribeirinhas do Amazônia, e Luigi Francescon identificou-se com os operários italianos moradores do bairro do Brás, em São Paulo. Tais pregadores não estavam preocupados em refinar suas pregações ou em intelectualizar seu discurso. Ademais, usando de uma estratégia de atingir evangélicos para constituir suas igrejas, e depois estender sua pregação aos católicos, agiram como adversários, e não como aliados das igrejas protestantes já instaladas no Brasil. Diante desse quadro, acabaram sendo tratados como inimigos do protestantismo, seita nociva e heresia perigosa, no mesmo patamar do adventismo e do espiritismo3.

Émile Léonard registra que, mesmo antes da chegada do pentecostalismo ao Brasil, já teriam acontecido manifestações religiosas consideradas marginais pelo protestantismo brasileiro, na linha do que ele chamou de iluminismo4: os “Muckers” entre os luteranos no Rio Grande do Sul, e a Igreja Evangélica Brasileira5. Esta última se estabeleceu por iniciativa de Miguel Vieira Ferreira, convertido ao presbiterianismo na cidade do Rio de Janeiro. Sua compreensão iluminista do Evangelho chocou-se com a dos missionários presbiterianos americanos, o que o levou a abandonar a igreja onde se converteu e a fundar a sua própria comunidade no ano de 1879. Nisso foi acompanhado por mais vinte e sete membros presbiterianos. Foi a primeira cisão acontecida no presbiterianismo brasileiro, motivada por razões que se aproximaram das crises pentecostais do século seguinte. Traumática, possibilitou que os líderes presbiterianos julgassem a nossa comunidade eclesiástica como não representativa doa protestantes, e Miguel Vieira Ferreira como “cismático comprometedor”.6

De fato, o pentecostalismo passa a ser objeto de criticas e de adjetivação condenatória contundente pelos presbiterianos poucos anos depois de sua instalação no Brasil. O caso de Luigi Francescon e da Congregação cristã do Brasil. Aponta pata o começo das relações não amistosas: a primeira leva de crentes ganhos pelo pentecostal Francescon foram pessoas oriundas da Igreja Presbiteriana Italiana de São Paulo. A maior parte da pertença seguiu Francescon7. “O puritano”, periódico presbiteriano surgido em 1899, classificou tais pentecostais da Congregação cristã do Brasil de “fanáticos”.8

Da mesma forma seriam tratados os crentes pentecostais de Belém do Pará liderados pelos Berg e Vingren. Sobre isso acrescentou:

Diversos artigos denunciando o grupo (os crentes da Assembleia de Deus) apareceram nos jornais das Igreja mais tradicionais. Seu proselitismo, ignorância, barulho e aparente falta de ordem em seus cultos ficaram sob fogo intenso. Um presbiteriano de Belém descreveu um encontro no qual tinha participado por curiosidade. O pregador que falava incorretamente o português, leu um salmo, dirigiu um hino e fez uma rápida exposição do texto, que incluiu muita repetição da frase ‘gloria a Jesus’. Então, segue-se uma oração cheia de frenesi pela cura de uma mulher que parecia ser cega, tudo acompanhado por um ‘barulho infernal’. Após isso, houve testemunhos que repetiram o tema ‘Jesus é bom. Ele me salvou, Ele me curou. Glória a Jesus.’ O escritor concluiu que a reunião foi uma blasfêmia.9

A IPB, através de seus líderes e de seus concílios oficiais, por mais de duas décadas (as de 20 e 30) continuou a não poupar os pentecostais. Perdendo, aqui e ali membros para tais igreja, embora tais perdas não fossem significativas (lembremo-nos de que erma basicamente, diferentes), a Igreja Presbiteriana discursava a condenação dos pentecostais visando sua própria integridade doutrinária e institucional. Uma resolução do Sínodo Presbiteriano, em 1924, recomendava “aos presbiterianos que se acautelem contra as influencias heréticas, como o Pentecostalismo e o Sabatismo.”10O campeão da lista contra o pentecostalismo foi, no entanto, o reverendo Valério Silva, formado nos primeiros anos da décadas de 30 no Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas. Seu trabalho constituía em dar palestras sobre o pentecostalismo nas igrejas locais (e isso, não somente em Igrejas presbiterianas) ou ainda, em enfrentar lideranças pentecostais em debates públicos. Num livrinho seu, publicado em São Paulo, no ano de 1934, com o título O systema pentecostal analysado à luz dos ensinos de Christo, Silva afirma:

A nova doutrina vem desorientar o povo que precisa do Salvador e Mestre – Jesus, como um poder na vida; enevoar a verdade e lançar a confusão; a própria personalidade, desequilibrando o senso moral e tornando o homem dependente da ação de forças que lhe são alheias, que ele bem não pode identificar, tirando o uso da razão e do bom senso nas coisas divinas e humanas, tornando-o incapaz de expressão individual a mercê do espirito...11

Para Silva, como se vê, os pentecostais desenvolviam um trabalho de manipulação de seus ouvintes às técnicas do hipnotismo12. Somente isso poderia explicar o grau de convencimento aos qual chegavam os crentes conquistados por eles.

A máxima do Reverendo Valério Silva, expressa ao final do seu livreto “Amemos aos pentecostais, mas rejeitemos suas heresias”13 expressa bem as dificuldades no convívio de presbiterianos e pentecostais nesse período, dificuldades essas também experimentadas pela Igreja Presbiteriana Independente. Os primeiros choques ocorreram exatamente no nascedouro das Assembleias de Deus: a cidade de Belém do Pará14. A IPI local, pastoradas pelo Reverendo Manoel Machado, passou a ser assediada por crentes da Assembleia de Deus. O Reverendo Manoel, responsável por todo campo eclesiástico da IPI no norte e no nordeste (de igrejas na época, de Manaus a Salvador), não tinha condições materiais de deter o tal assédio, face ao modelo presbiteriano de lideranças, sempre centrado no pastor. Ocorreu, então, o inevitável: muitos crentes, inclusive o principal líder leigo das igrejas passaram a frequentar a Assembleia de Deus. Machado, que a princípio não se posicionou a respeito dos pentecostais, até porque desconhecida completamente o seu pensamento e procedimento, mudou de atitude. No jornal oficial da igreja, O Estandarte, publicou entre março e 30 de outubro de 1919, vinte e três textos sobre o assunto, denunciando os pentecostais de Belém do Pará como presunçosos, proselitistas, aproveitadores: “sectários perigosos com aparência de piedade.”15

Manifestações e dificuldades isoladas, como a que descrevemos acima, continuaram a acontecer, aumentando na medida que os pentecostais se espalhavam: a Assembleia de Deus, a partir do norte, irradiando-se para o sul, na direção do Rio de Janeiro; a Congregação Cristã no Brasil, crescendo no estado de São Paulo e espraiando-se para o Panará. De qualquer maneira, a temática do Espírito Santo passou a ser mais enfatizada pelos pastores da IPI, na busca da superação interna do discurso pentecostal que continuava a incomodar.

Foi exatamente a temática do avivalismo, palpável para todo o protestantismo histórico brasileiro, que acabou por monopolizar a preocupação dos pastores presbiterianos nas décadas de 30 e 40. De certa forma, pode-se dizer que o ardor dos pentecostais, bem como seu crescimento, foram fatores importantes, embora não os únicos 16, na mudança do enfoque presbiteriano. Pierson chamava isso de “nova atitude” dos presbiterianos, por que resultou, inclusive, num certo reconhecimento do valor dos pentecostais, e da legitimidade de sua fé evangélica17. Manifestações ainda tímidas, eram superadas pelas críticas contundentes aos “hereges” e pela negação de suas ligações com a família evangélica.

II – A gestação e o parto de um presbiterianismo pentecostal
(continua)

Notas

1. A primeira leva de missionários pentecostais principia em 1910, com a vinda de Luigi Francescon proveniente dos Estados Unidos. Francescon, foi responsável pela fundação da Congregação Cristã do Brasil. No ano seguinte chegariam os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, para organizar a Assembleia de Deus. Vinham também dos Estados Unidos da América.
2. Tal busca desembocou no rompimento de lideranças católicas do quilate de Jackson Figueiredo e Alceu Amoroso Lima.
3. O reverendo Manoel Machado, responsável por todas as IPIs do norte e do nordeste na primeira década do século passado, cogitou que as experiências pentecostais tivessem a mesma raiz do espiritismo, face à fenomenologia semelhante (O estandarte, 16.10.1919, p. 16).
4. Léonard não usa o termo “iluminismo” em sua conotação histórica, mas como “sinônimo de misticismo”. “O iluminismo num protestantismo de constituição recente” – São Paulo, Programa Ecumênico de Pós Graduação em Ciências da Religião, 1988, p.6, nota dos tradutores.
5. “O iluminismo num protestantismo de constituição recente”, p. 6.
6. “O iluminismo num protestantismo de constituição recente”, p. 35
7. Ver Pierson, Paul E., A Younger Church In Search Of Maturity. San Antonio, Trinity University Press, s.d., p. 70.
8. Pierson, Paul E., A Younger Church In Search Of Maturity, p. 70.
9. Pierson, Paul E., A Younger Church In Search Of Maturity, p. 71.
10. Neves, Mário. Digesto Presbiteriano. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1950, p. 188.
11. São Paulo, Estabelicimento Gráfico “Cruzeiro do Sul”, p. 5.
12. O systema pentecostal analysado à luz dos ensinos de Christo, p. 5.
13. O systema pentecostal analysado à luz dos ensinos de Christo, p. 47.
14. Escrevemos um trabalho no ano passado, A Igreja Independente do Brasil e o pentecostalismo, ainda não publicado, onde abordamos com maiores detalhes as controvérsias entre os missionários suecos, fundadores da Assembleia de Deus em Belém do Pará, o Reverendo Manoel Machado, da IPI.
15. Apud Lima, Éver Ferreira Silva A Igreja Presbiteriana do Brasil e o pentecostalismo, p. 4.
16. Na época muitos presbiterianos já reclamavam do intelectualismo, expresso especialmente nos cultos centrados nos sermões. Vários articulistas da época, em jornais como O Estandarte, já se mostravam preocupados com a situação.
17. Pierson, Paul E., A Younger Church In Search Of Maturity, p. 178.